quarta-feira, 26 de março de 2014

"Não sabia que o amor pode dar tanto trabalho"


Angelica Hoffler- psicanalista
Contato: cel.: 9 9764-9427 e 9 9471-4591

Poder trabalhar com aquilo que se ama é mesmo um privilégio. Não deveria nem ser chamado de trabalho (palavra que deriva de tripalium, instrumento de tortura). Como professora me deleitava vendo boa parte dos alunos se descobrirem e se valorizarem como seres pensantes de seus próprios pensamentos. Aqueles olhos vivos e gulosos à minha frente, nem sempre acompanhando o que eu dizia mas viajando nas ideias que brotavam nas aulas e trazendo o frescor das descobertas ao compartilharem comigo ou com a turma. A Educação era vista por mim como esse processo de transformação. Deles, meu e do mundo que tocamos. Eu amava isso! 

E hoje acompanho na clínica uma outra descoberta, a que os pacientes fazem. Eles descobrem a escuta, as associações, o funcionamento de seu inconsciente, a sua existência mais sentida. Passam a se responsabilizar (e não mais se culpar) por sua história, reconstruída passo a passo em cada sessão, des- cobrindo-se para si mesmos, no espanto que sua fala revela. É lindo demais!
Cheguei a um outro sentido para o quadrinho com Charlie Brown....

quarta-feira, 5 de março de 2014

Tuíto logo existo

Angelica Hoffler
Psicanalista

Contatos: (11) 9 9764-9427 e 9 9471-4591
angelicahoffler@gmail.com

Tempos atrás, uma amiga minha participou de uma degustação de vinhos. Mas o que mais lhe chamou a atenção não foi a combinação dos pratos servidos e a composição de uvas utilizadas nas bebidas. Uma moça, bonita e bem vestida, sentou-se à mesa em que ela estava e começou a mostrar, diretamente de seu celular, as fotos de seus gatos. Sem esperar qualquer consideração da parte de quem estava à mesa, falou de seus conhecimentos enológicos e à medida que pratos e vinhos eram servidos, fotografava-os e os postava na sua página de uma rede social. Esta história, contada pela minha amiga, me fez traçar algumas considerações sobre o uso de redes sociais e sobre os relacionamentos na atualidade.
Conviver é um dos nossos maiores desafios. Vivemos, como neuróticos, o intenso conflito entre ceder aos nossos desejos mais narcisistas e ficar relegados à solidão, ou reprimi-los em nome do amor. As redes sociais apresentam uma alternativa ao “castigo da solidão”: a opacidade do outro, interlocutor das redes sociais, pode relegar o sujeito à fantasia de “amigos imaginários” que são adicionados ou não a sua página, território em que uma identidade é forjada.
Levar o mundo consigo, poder acessá-lo de um tablet ou celular no metrô pode fazer o sujeito sair supostamente do isolamento, mas não necessariamente da solidão. Quem é o outro para o qual ele posta  (e expõe) sua vida? Entre mensagens postadas, curtidas, comentadas, pessoas/personagens seguidos o que se espera deste outro (interlocutor) (virtual)? Olhar e ser olhado é mais que ver e ser visto. A imagem postada se inscreve numa falta, numa ausência.
O uso compulsivo das redes sociais dá um lugar de existência mediante o suposto olhar de um outro, que por estar distante, não impõe os limites que as relações “reais” impõem. Se meu “amigo” postar algo de que eu não gosto ou se eu deixar de “gostar” de meu amigo, basta “deletá-lo”. Elimina-se o problema. E com ele, o desafio proposto pela existência humana, que é em si conflito. Desta forma, o usuário torna-se onipotente frente às relações. Não se sai de um narcisismo que faz de adultos ainda “sua majestade o bebê”, usando as palavras de Freud.
O aqui e o agora é o que vale. A possibilidade de tudo poder acessar e de tudo poder ver dá-lhe impressão de onisciência. Ao compartilhar mensagens e postar sua vida pessoal na rede, o sujeito compõe também para si um texto instantâneo. Mas os que as palavras escritas (re)velam? O que sabe de si e do outro? Constrói-se uma imagem em que supostamente não há falta, frustrações, confronto. O “acho que sou” torna-se “eu sou” pela ausência do conflito. Mas nas redes sociais assim como na sociedade do espetáculo, “eu sou” para quem? Lida-se com o ideal e não com o “real”.
Por isso vemos pedidos de postar só mensagens felizes, não tratar de violência, futebol, religião e não fazer propaganda eleitoral. Nas mensagens do tipo “se você ama seu pai, sua mãe, seu irmão...compartilhe”, a quem se espera provar a ideia ou o afeto? O universo idílico revela a dificuldade de se lidar com a adversidade, de conviver com a diferença, de efetivamente interagir a partir de um olhar.
O que há da minha voz na voz deste outro? E o que há do outro na minha voz? Sim, porque na escrita também há a inscrição de uma voz. E como lidar (ou não) com os afetos?: se estou com medo, basta tuitar, se estou com insônia entro no facebook. Para a edição do DSM-V (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais-Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), proposta para 2013, discute-se a inclusão de “adicção à internet”. E aí, mais um rótulo: “se você é adicto à internet compartilhe!”. Por mais que se tente ocultar, entre palavras, imagens e rótulos, a questão da subjetividade e dos relacionamentos, tão contemporânea, continuarão a se inscrever no sofrimento que eles visam ocultar.