Matrizes Do Pensamento Psicológico
Resumo feito por Sheila P. Couto de S. Nogueira.
Introdução
A Psicologia, desde o seu
nascimento oficial como ciência independente, vive uma crise permanente
caracterizada pela grande diversidade de posturas metodológicas e teóricas,
que, por atuarem como geradores de uma variedade de escolas e “seitas”
psicológicas, foram denominadas matrizes do pensamento psicológico.
Capítulo I – A Constituição do Espaço Psicológico
A partir do século XVII
pode-se observar uma redefinição das relações sujeito/objeto. A razão
contemplativa passa a ser substituída pela razão e ação instrumental. A
finalidade utilitária emerge como justificativa e legitimação da ciência, ao
lado da Tradicional buscada verdade objetiva. Este novo modo de existência
prático-teórico se fará reconhecer na obra de vários filósofos, entre eles,
Francis Bacon (onde aparecerá de forma nítida e sistematizada) e Descartes.
Desde então a subordinação
do conhecimento científico à utilidade, à adaptação e ao controle, bem como a
modelação da prática científica pela ação instrumental alcançaram realce cada
vez maior, sendo que a instrumentalidade do conhecimento converte-se numa das
determinações internas da ciência. Com essa valorização apenas do tecnicamente
manipulável (o real), surge por parte de Bacom uma luta sistemática contra as
inclinações inatas ou aprendidas dos homens (doutrina dos ídolos) que bloqueiam
ou deformam a visão objetiva da natureza.
Instaura-se a disciplina
do método, compartilhada também por Descartes.
Na doutrina dos ídolos
(Bacon) e na dúvida metódica (Descartes) encontram-se todos os discursos de
suspeita que a Idade Moderna elaborou para identificar e extipar, ou pelo menos
neutralizar a subjetividade empírica. E embora a evidência dita empírica
ainda fosse para Bacon a base segura
para se fundar e validar o conhecimento objetivo, já no século XVIV, a doutrina
das qualidades primárias (objetivas)e secundárias adotada por Galileu e
Descartes introduz uma suspeita exatamente em relação à confiança na percepção.
Hegel e Marx colocam o
conhecimento como sendo mediado e construído pois apenas sua aparência é
percebida. A ciência seria assim a negação das aparências e do dado imediato,
descobrindo por detrás do dado aparente o movimento que o cria, ou seja, a
essência. A partir daí a própria aparência seria resgatada.
Embora toda essa crítica à
percepção, a própria razão não escapou a Ter seu valor e limites investigados.
Hume, através da redução dos processos mentais (todos) a fenômenos
associativos, aponta a aprendizagem como origem das categorias e operações do
pensamento. A lógica seria, ela própria objeto de uma ciência empírica. A
partir daí qualquer pretensão ao conhecimento objetivo seria impossível. Desenvolve-se
então uma lógica da investigação que na impossibilidade de estabelecer um
fundamento absolutamente seguro do conhecimento, promova, pelo menos, um
processo infinito de autocorreção.
Porém, ao radicalizar o
projeto de autocontrole do sujeito, nos quadros das ciências naturais, a
psicologia assumiria uma natureza
auto-reflexiva que acabaria transpondo e negando os limites deste mesmo quadro.
Percebe-se, então, uma contradição que mina a psicologia como ciência natural
do sujeito. Ou bem o indivíduo é realmente único, independente e irracional,
sendo, portanto refratário às leis da
ciência e da sociedade – neste caso a psicologia poderia ser necessária, mas
seria inviável; ou bem não passa o
indivíduo de uma ficção a ser desfeita, e então a psicologia será também uma
ilusão transitória e não se justifica como ciência independente.
Em conclusão: a
psicologia, que nasce no bojo das tentativas de fundamentação das outras
ciências, fica destinada a não encontrar jamais seus próprios fundamentos. Mas
fica igualmente destinada a sobreviver, sem segurança, tentando precariamente
ocupa o espaço que a configuração do saber lhe assegurou.
Capítulo II – A Ocupação do Espaço Psicológico
Capítulo II – A Ocupação do Espaço Psicológico
Na história da Psicologia,
a ordenação no tempo das inovações teóricas e das descobertas empíricas só é
tarefa razoável dentro dos contornos bem definidos de um corpo teórico ou na
investigação de uma problemática particular. Isso devido ao aglomerado de
doutrinas e teorias, irredutíveis umas às outras, que se tornou a psicologia e
que devem ser estudadas à luz do contexto cultural de que fazem parte e nas
suas relações com o processo de constituição da psicologia como ciência
independente. No primeiro momento encontramos dois grandes grupos de matrizes
do pensamento psicológicos: matrizes
cientificistas que se apegam aos modelos e práticas das ciências naturais e
matrizes românticas que valorizam a subjetividade e a experiência individual do
sujeito.
São matrizes cientificistas:
- Matriz nomotética e quantificadora – Presente em todas as tentativas de se fazer da Psicologia uma ciência natural, essa matriz orienta o Pesquisador para a busca da ordem natural dos fenômenos psicológicos e comportamentais na forma de classificações e leis gerais com caráter preditivo. As operações legítimas são a construção de hipóteses formais, a dedução exata das conseqüências destas hipóteses, na forma de previsões condicionais e o teste.
- Matriz atomicista e mecanicista – Orienta o pesquisados para a procura de relações deterministas ou probabilísticas, segundo uma concepção linear e unidirecional de causalidade.. A concepção do real é atomística: o real é os elementos que, em combinações diferentes, mecanicamente “causam” os fenômenos complexos, de natureza derivada. O futuro se torna previsível e o passado dedutível.
- Matriz funcionalista e organicista – caracteriza-se por uma noção de causalidade funcional. Os fenômenos incorporam os efeitos em suas próprias definições. A subdivisão da matéria na tentativa de detectar os elementos mínimos é substituída pela análise que procura identificar e respeitar os sistemas funcionais. Divide-se em duas submatrizes: ambientalista (influência do meio sobre a ação) e nativista (natureza herdada das funções adaptativas).
São matrizes românticas e pós-românticas:
- Matriz Vitalista e Naturalista – Valoriza o qualitativo, o indeterminado, o criativo, o espiritual, e etc. No lugar do interesse tecnológico domina aqui o interesse estético, contemplativo e apaixonado, em que se anulam as diferenças entre sujeito e objeto do conhecimento e a diferença entre ser e conhecer.
- Matrizes Compreensivas –Visam a experiência humana inserida no universo cultural, estruturada e definida por ele, manifesta simbolicamente. Dividem-se em:
- Historicismo Ideográfico – Busca a captação da experiência tal como se constitui na vivência imediata do sujeito, com sua estrutura suigeneris de significados e valores, irredutível a esquemas formais e generalizantes. Utiliza o método das reconstruções do sentido.
- Estruturalismo – Objetivo a re-construção das estruturas geradoras das “mensagens”, as regras que inconscientemente controlam a organização das formas simbólicas e a emissão dos discursos.
- Fenomenologia – Busca a fundamentação do conhecimento que deve ser procurado do lado da consciência pura, do sujeito transcendental que determina as condições de existência para a consciência de todos os objetos da vida espiritual. Trata-se de efetuar a descrição das estruturas apriorísticas da consciência.
As matrizes científicas
secretam ideologias científicas (todos se preocupam com a produção do
conhecimento útil), já as românticas produzem freqüentemente ideologias pararreligiosas.
E, enquanto as cientificistas enfatizam o lado objetivo dos fenômenos e as
românticas o lado subjetivo, essas matrizes, mais do que opostas, seriam
complementares. Atualmente, em relação à aplicabilidade dessas várias linhas de
pensamento, reina o ecletismo. Sua principal desvantagem é que as contradições
ficam, quase sempre, camufladas, travestidas em complementaridade.
Capítulo III – Matriz Nomotética e Quantificadora
Capítulo III – Matriz Nomotética e Quantificadora
A alta predisposição para
procurar descobrir e inventar regularidades que permitam a previsão é um traço
característico da nossa espécie e é a “crença na ordem natural” que orienta o
pesquisador na procura de sistemas classificatórios e de leis gerais. Para tal
utilizava-se a prática científica que pode propor-se como objetivo a mera
organização dos dados aparentes sem qualquer pretensão a representar a ordem
objetiva. Nesse caso a preocupação de dispositivos ad hoc numa sucessão
interminável de ajustes aos dados da observação e que acabam se superpondo e
contradizendo. A ordem, então, é apenas aparente. Agora, quando a prática
científica se traduz em hipóteses descritivas e explicativas que convergem para
um sistema e são, de preferência, redutíveis a uns poucos axiomas, a ordem
instalada é a dita ordem natural.
A possibilidade se
submeter os fenômenos psíquicos aos procedimentos matemáticos, de forma a
criar-se uma psicologia empírica foi, a princípio negada e relegada a um
segundo plano na obra de naturalistas, matemáticos e filósofos. Na Segunda
metade do século XIX, porém, o filósofo matemático Johan Friedrich Herbart
introduz na teorização psicológica a prática da construção de modelos formais
que se propõe a representar a estática e a dinâmica dos processos mentais a
partir da idéia de conflito entre representações. Somente mais tarde esse
modelo alcançaria status científico. Mesmo sem a possibilidade de autocorreção,
característica dos modelos atuais, Herbart exerceu grande influência na
divulgação de um projeto de psicologia matemática que pensasse e procedesse
conforme a física clássica. Projeto esse continuado pelas obras de Weber
(estudo dos limiares diferenciais), Fechner (psicofísica), Wundt (estudos da
duração dos fenômenos psíquicos) e Ebinghaus (estudo da memória).
Ao lado da psicologia
experimental desenvolveu-se no final do século um poderoso movimento de
psicometria dedicado ao estudo das diferenças individuais, o que não arrefeceu
de forma alguma o impulso nomotético e quantificador.
A extensão do pensamento
nomotético e quantificador ao homem, encontrou uma série de obstáculos
culturais, ideológicos e religiosos e teve de ser precedida por uma série de
transformações sociais que, numa certa medida, modelaram uma “natureza humana”
ou criaram uma imagem do homem que o tornava um objeto acessível aos procedimentos
das ciências naturais.
Com o desenvolvimento das
relações econômicas que vão da troca à especulação, a liberdade de pensamento é
conquistada ao preço da submissão às leis da economia. Abre-se espaço, então,
para uma psicologia como ciência natural nomotética, pois o determinismo do
comportamento e da psiquê, antes de ser postulado pela ciência e aceito com
expressão da verdade, foi vivido pela sociedade alienada.
O surgimento da Psicologia
como ciência natural associa-se também às crises desta economia que exigirão
novas técnicas de controle social. A aceitação de leis naturais se adequa
perfeitamente a essa demanda, assumindo, a Psicologia, uma função ideológica,
de legitimação de práticas sociais e dos interesses correspondentes, sem que
isto venha negar o seu caráter científico.
Capítulo IV – Matriz Atomicista e Mecanicista
Um dos problemas mais intrigantes e
persistentes na história do conhecimento foi o do movimento dos seres
inanimados. Várias hipóteses foram levantadas a respeito dessa questão (por
Aristóteles, por exemplo), mas nenhuma escapou à concepção de antropomórfica,
elaboração de senso-comum, constituindo assim, tentativas de buscar a ordem
apenas nas aparências. Será Galileu quem vai explicar de forma correta, o
movimento. Ao romper com Aristóteles e com o senso comum, supera o mundo
sensível de experiência quotidiana e concebe o movimento no vácuo. Trata-se de
um experimento imaginário que o conduziu a lei da inércia que atribui o mesmo
valor e as mesmas propriedades ao repouso e ao movimento, ficando este último,
livre da dependência de qualquer motor externo, sua permanência é automática.
Aceleração e direção serão eventos antecedentes ao movimento e que lhe
condicionam rumo e velocidade. O passado determina o presente e este o futuro –
este é o conceito de causalidade mecanicista.
A homogeneização do universo e a superação do
sensível são tributárias também da atomização do real, ou seja, o real seria
composto de partículas mínimas que em diferentes combinações produziriam os corpos
observáveis. Dessa forma, para o estudo de tais corpos era necessária a
postulação das propriedades matemáticas das partículas componentes.
O universo passa a ser visto como um grande
relógio, imagem em que se condensam as idéias do movimento automático, da
perfeição mecânica, do determinismo estrito e da quantificação. Essa concepção
atomicista e mecanicista se fizeram notar na química (análise elementar), nas
ciências biológicas (anatomia), no estudo dos animais, etc, e até mesmo na
teoria de formação do conhecimento que tentava reduzi-lo a uma combinação de
elementos primitivos que se associariam mecanicamente. Combinações essas
reguladas pelas leis de associação das idéias.
Na Psicologia o atomicismo inspirou os
projetos de decomposição da vida psíquica. Essa orientação elementarista teve
seu ponto culminante nas obras de Mach e Titchener. Enquanto as ciências
naturais estudam os elementos da experiência (os átomos de consciência que são
as sensações), procurando instaurar uma ordem objetiva entre elas, a psicologia
terá como objeto de estudo os elementos da experiência nas suas relações de
dependência com o organismo que os experimenta. Isso seria feito, de acordo com
Titchener, através de uma introspecção controlada e altamente treinada para que
fossem relatadas apenas as sensações simples e primitivas que a experiência
oferece.
O atomismo e o mecanicismo estão também
relacionados historicamente ao conceito de reflexo, que pôde ser apresentado
como unidade elementar de todo comportamento. Influenciou algumas das versões
do behaviorismo americano.
Dentre as raízes sócio culturais dessa matriz
vamos encontrar a era das máquinas da industrialização, que trazem para a
experiência quotidiana a vivência da prática mecanizada que juntamente com a
desvalorização da consciência como fatos causal, prepara o terreno para a
aceitação de explicações mecanicistas em psicologia.
Capítulo V – Matriz
Funcionalista e Organicista na Psicologia Americana
O poder compreensivo do mecanismo e os
procedimentos analíticos do atomicismo tiveram seu poder desafiado por três
fenômenos característicos dos seres vivos: a reprodução, o desenvolvimento e a
autoconservação. Esses fenômenos sugerem a existência de processos e mecanismos
suigeneris por debaixo da superfície observável. O estudo de tais processos
culminará em uma nova ciência: a biologia, através da qual surgem conceitos
decisivos como os de organismos e função.
A questão da evolução é amplamente discutida,
culminando na teoria da seleção natural proposta por Darwin. Explicar um
fenômeno biológico corresponde então, em primeiro lugar, a identificar as suas
funções. A análise causal dos mecanismos acompanha e está logicamente
subordinada à análise funcional voltada para os efeitos adaptativos. Estes contribuem
para o efeito global (manutenção e reprodução do organismo) e são influenciados
pelos mesmos. Nestas medidas a análise funcional é sempre necessariamente
análise sistêmica, estrutural e genética.
Em psicologia, a presença da matriz
funcionalista e organicista se faz notar no conceito de adaptação. Fenômenos
mentais e comportamentais (Percepção, memória, etc) são concebidos como
processos orientados para a adaptação. Por ser um conceito amplo originou
várias correntes de pensamento inspiradas nessa matriz. Dentre elas encontra-se
o movimento da psicologia funcional que vai classificar os comportamentos, não
como simples movimentos, mas como operações, pois eles se dirigem a
determinados objetivos e conseqüentemente todos os movimentos serão operacionalizados
para o alcance dos mesmos. Seu grande precursor foi William James (1842-1910).
Outra corrente será a psicologia comparativa que terá como pano de fundo a
hipótese de continuidade exclusiva de Darwin. Depreende-se daí a importância da
Psicologia animal que fornecerá importantes dados relativos a origem da
inteligência humana. O modelo de aprendizagem por ensaio e erro e a lei do
efeito formulada por Thorndike, contribuíram sobremaneira para a obtenção de
tais informações.
Por fim aparece o movimento da psicologia
behaviorista nos EUA, a partir do início do século XX, que vai colocar a
introspecção e a vida interior como alvo de suas críticas. É o behaviorismo de
Watson (1878-1958), que decompõe o ambiente em estímulos e analisa o
comportamento em termos de resposta a estímulos. O estudo das formas
adaptativas de interação serviria a finalidades práticas de previsão e controle
e é na fisiologia do reflexo que o behaviorismo vai buscar o respaldo
científico que o legítimo. Já behavioristas como Pavlov, Bechterev, Spence e
Hull não desprezam completamente a opção funcionalista, para explicação de
determinados procedimentos.
Mas será com Telman (1886-1959) e Skinner
(1904 -) que o funcionalismo behaviorista encontrará seu apogeu. O primeiro
contribui sobremaneira para o desenvolvimento de uma psicologia funcional ao
trazer para o movimento a preocupação de rigor metodológico e a prática de
experimentação. Já o segundo fundamenta sua ciência do comportamento no
conceito de operante, o que viabiliza inúmeras possibilidades de análise
experimental que são verificados até hoje devido a sua importância no contexto
da Psicologia experimental.
Capítulo VI – Matriz
Funcionalista e Organicista na Psicologia Européia, Na Psicanálise e na
Psicossociologia.
Com a superação do vitalismo, o mecanismo é
combatido pela sua incapacidade de apreender a intencionalidade do
comportamento e o atomismo perde, por sua vez, segundo os etólogos, a
capacidade de lidar com as unidades funcionais significativas para a adaptação,
reduzindo-as a um aglomerado de elementos. Conforme Lorenz: “Os elementos de um
conjunto (estruturado) só podem ser compreendidos simultaneamente ou não se
compreendem de maneira nenhuma”.
A etologia enfocou também a dimensão genética
no plano da evolução dos comportamentos, no plano ontogenético no plano
estrutural, sempre com a dominância do ponto de vista funcional. De acordo com
Lorenz o organismo seria movido por impulsos instintivos e pela busca de meios
pelos quais descarregá-los. Caso não fossem encontrados os comportamentos
deslocar-se-ia ou seria bloqueado. Tudo isto está muito próximo à psicanálise
Freudiana.
A psicogenética de Piaget é também
profundamente influenciada pela matriz funcionalista e organicista. Suas duas
idéias centrais retratam o fato. A primeira é que todo organismo possui uma
estrutura permanente que pode se modificar sob a influência do meio, mas que
não se destrói jamais... A segunda é que os fatores normativos do pensamento
correspondem biologicamente a uma necessidade de equilíbrio por
auto-regulação.Os métodos e conceitos da biologia se farão presentes ao longo
de toda carreira de Piaget.
Já com a Psicanálise a visão organicista é
assumida em sua inteireza, pois todos os fenômenos psíquicos são vistos inter-relacionados e o
indivíduo um todo cujas partes são indissociáveis – nenhuma se esclarece sem
que estabeleçam suas relações com o conjunto. Freud estuda a estrutura e o
desenvolvimento do sujeito sob um ponto de vista funcional.
Finalmente, na psicossociologia essa matriz
também se faz presente e é na idéia de sociedade como um organismo que se nota
essa presença: A sociedade é um organismo em que cada parte desempenha uma
função complementar às demais, sendo esta complementaridade essencial à
conservação e reprodução da vida social.
A teoria dos papéis, com ênfase na
institucionalização da ação de forma a assegurar a harmonia social, condensam
em termos psicológicos as principais lições da sociologia funcionalista. Cada
indivíduo desempenharia determinado papel social aceito por ele e pela
sociedade. Os desvios psíquicos teriam sua origem em relações sociais
conflitivas e ambíguas. É aqui que o psicólogo procura assumir suas
responsabilidades como agente de adaptação e reabilitação.
Capítulo VII – Submatrizes
ambientalista e nativista na Psicologia
No século XIX encontramos a inspiração
ambientalista nos estudos da experiência sensorial. Helmholtz, por exemplo,
sustentava o caráter aprendido da percepção dos objetos. A aprendizagem, então,
passara a ser objeto independente de pesquisa.
O avanço do ambientalismo significou um certo
retraimento da importância atribuída ao organismo, uma certa negação do caráter
ativo do sujeito do comportamento. A ênfase no controle ambiental, porém não
conduz necessariamente a esses compromissos, como o prova a obra de Skinner, na
qual ele afirma que o comportamento tem uma estrutura, mas esta não refletiria
a estrutura do organismo, mas a das relações do organismo com o meio. A
estruturação da conduta adaptativa em classes de respostas operantes emergiria
inteiramente da história do indivíduo.
Também no século XIX revelaram-se as
tradições racionalistas e nativistas na psicofisiologia de Müller (1801-1858) e
de Hering (1834-1918).A noção de experiência foi submetida à crítica, pois se
constatou a existência de uma estrutura prévia, inata, condicionando-a.
Estrutura essa constituída pela via dos sentidos. O conceito de instinto foi
recuperado por Lorenz para o qual a própria ocorrência de um ato instintivo é a
finalidade de um ato finalizado.
O estudo da hereditariedade também foi
conduzido através de estudos correlacionados a partir da obra de Galton. Vários
outros autores, desde então, desenvolveram com base em estudos psicométricos a
tese de que há uma forte determinação genética na capacidade intelectual do
indivíduo. O desenvolvimento desses estudos passa pela sociobiologia e chega
por fim a psicolingüística de Chomsky, que se enquadra melhor na matriz
romântica estruturalista que na funcionalista.
Diante dessas duas posturas (ambientalista e
nativista) surge uma terceira que faz a relação entre as mesmas. É a postura
interacionista que foi partilhada por nomes como Freud e Piaget e que considera
inseparáveis as estruturas orgânicas da estrutura ambiental. Ambas estão em
interação influenciando-se mutuamente. Hoje, esse ponto de vista tende a se
tornar dominante, sem deixar de lado, é claro, as outras duas posições. Valendo
entender o contexto cultural que lhes garantiu a sobrevivência.
O ambientalismo, ao despojar o indivíduo de
qualquer possibilidade de autodeterminação, legitima o poder monopolizado, a
tecnoburocracia, a planificação autoritária. Trata-se de um fenômeno cultural
decorrente da dialética iluminista, muito mais característica do totalitarismo de
esquerda prevalente nos países comunistas.
Já o nativismo biológico esteve sempre
associado à política de direita, ao racismo, ao colonialismo, ao elitismo, ao
passo que valoriza as individualidades deixando em aberto a possibilidade de
umas serem “melhores” que outras.
Por fim a posição interacionista inclina-se
para a legitimação do autocontrole e nessa medida, contém um potencial crítico
em relação às formas vigentes de sociabilidade. A auto-regulação pela moral
autônoma seria o estado de equilíbrio entre o indivíduo e a sociedade em que
ambos se coordenam e se mantêm.
Capítulo VIII – Matriz
Vitalista e Naturista
Nota-se nas matrizes ditas romântica, a
preocupação com aprender a experiência do sujeito na sua “vivência concreta”,
anterior às abstrações e a objetivização promovidas pelas metodologias
científicas adotadas nas ciências exatas e biológicas.
O bergsonismo pode ser tomado como exemplo
dessa nova corrente de pensamento. Em sua obra argumenta contra o mecanicismo e
contra o finalismo radicais alegando que nenhum dos dois respeita a natureza
absolutamente original da evolução criadora que seria essencialmente
imprevisível e indeterminada. Valoriza instinto e inteligência como forma de
busca de busca pelo homem de uma forma superior de conhecimento que é a
intuição. A psicologia metafísica de Bergson teria como objetivo, então,
promover a comunhão entre o indivíduo e o fluxo vital de que faz parte e que o
constitui.
Naturalmente, a institucionalização da
profissão de psicólogo não é compatível com a noção bergsoniana de psicologia.
Mas têm sido muito utilizadas em boa parte das seitas psicológicas que
proliferam pelo mundo, deixando de lado a ciência e mistificando muitas vezes a
prática psicoterápica.
Esse discurso do anti-racionalismo
psicológico compõe uma espécie de contracultura do senso comum que se assemelha
a Bergson na eliminação de toda virulência crítica e negatividade. Bergion
divulga uma visão otimista e positiva da condição humana. A inteligência é
limitada, mas a intuição é possível e a auto-atualização identifica-se como
genuína integração na vida comunitária. Supõe-se assim uma compatibilidade
entre a autêntica realização do indivíduo e a felicidade coletiva. O vitalismo
naturista parece corresponder à forma magoada e “feminina” do liberalismo.
Historicamente representara uma resistência ao imperialismo mecanicista e
atomista. Ao final do século XIX contudo, reduz-se a uma pura ideologia sem
qualquer valor cognitivo. Enfim, a nenhuma das outras matrizes cabe tão bem o conceito
“romântico”.
Capítulo IX –Matrizes
Compreensivas: O Historicismo ideográfico e seus impasses
O conceito de iluminismo designa a tradição
cultural que se define pela postura crítica e pelo combate a todas as
tradições. A oposição ao cientificismo objetivista no pensamento psicológico
decorreu, efetivamente, ou da metafísica bergsoniana ou de uma posição crítica
bem mais radical ao iluminismo – o romantismo dos séculos XVIII e XIX.
Na Segunda metade do século XVIII a dinâmica
do iluminismo era incontestável, o que significava a dominância da matriz
teórica atomista e mecanicista. Goethe, poeta alemão, procurou desenvolver uma
nova forma de ciência que mais tarde, veio a exercer notável influência na
formação do ideário romântico. Os românticos opõem-se fundamentalmente a todo
revolucionarismo progressista que pretenda subverter a ordem natural da
sociedade, rompendo com suas origens e tradições. Mas afinal quais eram os
preceitos do romantismo? O romantismo é antielementarista, o que se justifica
pela noção de totalidade. Para o romantismo a intuição é uma forma de
comunicação entre as formas naturais e culturais em que o espírito se expressa.
Por fim, os românticos renegam o indivíduo independente, racional e crítico, em
favor da coletividade.
O pensamento romântico, embora nada tenha
acrescentado às ciências naturais, inspirou uma série de ciências morais que
tiveram no século XX _ principalmente na Alemanha _ uma enorme projeção.
Manifestou-se também, durante todo esse século, a preocupação em definir uma
metodologia para as ciências morais e é o filósofo Wilhelm Dilthey (1833-1911)
quem se propõe a desempenhar esse papel de explicitador das condições de
possibilidade do conhecimento histórico. Defende a independência das ciências
históricas em relação às ciências naturais, sem por outro lado, procurar de
forma alguma inverter suas posições. Legitima-se a duplicidade, há duas
ciências igualmente adequadas a seus objetos e rigorosas. O historicismo cujo
limite é o ceticismo, postulando a diferença como uma dimensão essencial dos
elementos das ciências do espírito, para ser conseqüente, deve aplicar a si o
ponto de vista relativista e comparativo a partir do qual visa todas as demais
formas de objetivação do espírito.
Há diversas variantes do Historicismo
ideográfico na psicologia e na psiquiatria em que o problema da verdade da
interpretação foi enfrentado com rigor. Em quase todas a exigência de verdade
era compatibilizada com a prática interpretativa mediante a negação do caráter
histórico do conhecimento, ou seja, mediante a pretensão de se haver encontrado
um conjunto de categorias universais, comuns a todas as formas de existência
psicológica e histórica. As formas de existência seriam históricas, mas as leis
de formação seriam atemporais.
Capítulo X – Matrizes
Compreensivas – Os Estruturalismos
Se no campo das ciências naturais, o
romantismo nunca tomou assento, no campo das ciências morais ele frutificou,
passando por sérias transformações que dizem respeito, fundamentalmente, à
atividade crítica auto-reflexiva que procurava oferecer às ciências morais um
terreno epistemológico seguro. Os estruturalismos nasceram no contexto dessa
problemática e formam o conjunto de
soluções mais rigoroso do ponto de vista metodológico. A neutralização do
sujeito caracteriza o ideal científico dos estruturalismos e os coloca como uma
espécie de positivismo das ciências humanas. As ciências humanas
estruturalistas sustentam que os códigos são universais, caracterizando todos
os processos de dotação e decifração de sentido – vale dizer, de comunicação
simbólica – na espécie humana. Compreende-se uma mensagem quando se é capaz de
reproduzí-la.
Nas origens da matriz estruturalista
encontramos movimentos intelectuais que no final do século XIX e no início do
XX revolucionaram a psicologia, a teoria da literatura e da lingüística. No
campo da psicologia já a chamada psicologia da forma, ou da gestalt, que
ofereceu a mais consistente alternativa européia à velha psicologia
elementarista, associacionista e introspeccionista. Dizem os gestaltistas:
Se a análise do mundo fenomênico, ou meio
comportamental nos revela que os comportamentos do homem estão sempre inseridos
num conjunto organizados de formas e significados, cabe à ciência procurar
compreender este comportamento a partir do mundo assim estruturado.
Enquanto a noção de forma contemplada pelos
gestaltistas exerceu notável influência sobre a teoria das artes plásticas,
simultaneamente desenvolvia-se entre os russos uma teoria da literatura também
jornalista e estruturalista, para os quais a obra literária é fundamentalmente
uma forma que é o conteúdo em sua manifestação sensível.
Nessa mesma época a França sofria o impacto
da obra do lingüista suíço F.de Saussure. Embora a repercussão imediata dos ensinamentos
de Saussure tenha sido muito modesta, coube a sua lingüística estrutural o
maior peso na formação do estruturalismo moderno. Já nos Estados Unidos, na
década de 50, veio a se desenvolver uma corrente de estudos lingüísticos
liderada por Chomsky e que é conhecida pelo nome de “Gramática Gerativa
Transformacional”, onde considera a criatividade como sendo a mais importante
característica humana.
A antropologia também recebe a influência
estruturalista e nela forja-se uma nova imagem do homem. Este é um ser
simbólico e simbolizante, no sentido de que está sempre imerso num mundo de
significados e incessantemente estruturando seu universo num sistema
significativo.
Por fim há a possibilidade de união do
estruturalismo com a psicanálise e o romantismo. Uma das categorias essenciais
do ideário romântico era a de conflito. A noção de conflito recebeu na
psicanálise Freudiana um desenvolvimento que está mais próxima do romantismo do
que Freud estaria disposto a admitir. Logo, como ciência mediata do sentido “a
psicanálise se aproxima dos estruturalismos e, portanto, não deve surpreender
que esta aproximação tenha resultado em projetos de fusão como os de Lacan, por
exemplo”.
Capítulo XI – Matriz
Fenomenológica e Existencialista
A fenomenologia se preocupa essencialmente
com o rigor epistemológico na solução de problemas, promovendo a radicalização
do projeto de análise crítica dos fundamentos e das condições de possibilidade
do conhecimento.
Segundo Husserl a busca de um fundamento
absoluto e indubitável para o conhecimento corresponde à intencionalidade
operante em toda prática científica. Sua filosofia terá como torna apenas o que
se constitui como objeto da experiência possível: os fenômenos. A fenomenologia
então, estabeleceria relações com todas as ciências: as do espírito e as
naturais. Trata-se, contudo, de uma aproximação contraditória: o racionalismo
fenomenológico opõe-se ao intuicionismo objetivo e estético dos românticos, à
proposta de fusão e comunicação empática entre formas expressivas, à renúncia a
um conhecimento rigoroso e objetivo. Não distante, a separação entre sujeito e
objeto, que marca todas as matrizes cientificistas também é abolida na
fenomenologia.
Neste contexto avultam, entre outros, os
conceitos de “intencionalidade”, “temporalidade” e “horizonte” da consciência,
que são estruturas da chamada consciência transcendental.
A intencionalidade refere-se a consciência
enquanto ato, em oposição à consciência enquanto conteúdo. A temporalidade
refere-se ao fato de que toda a consciência intencional é inevitavelmente uma
síntese no tempo. Por fim o conceito de horizonte da consciência refere-se ao
fato de que a consciência intencional, em qualquer modo que se dê, envolve uma
atualidade explícita e uma potencialidade apenas implícita, que é o conjunto de
estados passados, antecipados, suspeitados, etc, em relação ao qual o objeto
tematizado adquire um significado para o sujeito.
Da descrição das estruturas gerais da
consciência, a fenomenologia deve caminhar para as estruturas típicas
especiais. Estas antologias regionais revelam o que há de específico nas
relações entre o sujeito e seu mundo em cada uma destas regiões, quais as
formas típicas de temporalidade e qual a natureza dos horizontes que aí
configuram as vivências concretas.
A influência da fenomenologia sobre a
psicologia entendida como ciência compreensiva foi em grande parte mediada
pelas doutrinas existencialistas, como um pioneiro das ciências compreensivas,
mais precisamente da psicopatologia e da psiquiatria, deu sua contribuição mais
pessoal a estas ciências ao situa-las também entre as ciências do espírito.
Outro grande nome da psiquiatria
fenomenológica é L. Binswanger (1881-1966). Criou a análise existencial, uma
ciência experimental com um método e um ideal de exatidão própria, a saber, o
método e o ideal das ciências experimentais fenomenológicas.
Já os ingleses David Cooper e R.Laing,
sofreram uma influência dominante da filosofia existencialista de Sartre e
descontentes com a psiquiatria convencional vão constituir a antipsiquiatria,
que procura um outro quadro de referências e vão encontrá-lo na dinâmica das
interações pessoais. Tudo é baseado na compreensão. Contudo, a compreensão,
Sartre o admite, não é um conhecimento imediato proporcionado por uma atividade
puramente contemplativa. Em Heidegger “compreender não é um modo de
comportamento do sujeito entre outros, mas o modo de ser do próprio Dasein” (existência) “. Gadamer vai mostrar,
por fim, que não há absolutamente possibilidade de compreensão fora do
horizonte das antecipações, freqüentemente inadequadas, do preconceito e da
tradição”.
Capítulo XII –
Considerações finais e Perspectivas
A pluralidade de enfoques metodológicos, de
tentativas de fundamentação epistemológica e, principalmente, de doutrinas é um
fator reconhecido, e freqüentemente lastimado, por todo aquele que se dedica ao
estudo da psicologia. A diversidade chama atenção em dois aspectos:
Em primeiro lugar não s observou ao longo de
todo este século um processo progressivo d diferenciação interna. Todas as
matrizes são contemporâneas. A diversidade instalou-se no momento em que a
disciplina nascia. O segundo aspecto que merece alguma consideração é,
exatamente, a persistência da diversidade. Conseguiu-se, contudo, reduzir a
diversidade a duas grandes linhas: psicologia experimental e psicologia
clínica. Em ambas, porém, a psicologia é a ciência da conduta.
A possibilidade de unificação existe, mas é
muito improvável. Harré e Secord fizeram essa tentativa e chegaram a uma
psicologia antropomórfica, onde as pessoas não são consideradas apenas agentes,
mas também comentaristas e críticos. Para tanto constroem seu modelo de
inteligibilidade e de procedimento científico em torno de três referências: a
científica, a hermenêutica e a filosófica. Infelizmente, a impressão que se
tem, após este formidável esforço construtivo, é que nenhum problema novo foi
formulado e resolvido pr Haré e Secord, melhor do que teria sido dentro de cada
uma das tradições originais operando independentemente. Apesar disso deve-se
reconhecer nestas tentativas de unificação construtiva a intenção honesta de
transformar a psicologia numa verdadeira ciência.
Mas se a fragmentação se revela assim tão
produtiva, pode parecer sensata a proposta de acentuá-la ainda mais, criando
diversas áreas de estudos psicológicos adjacentes às disciplinas básicas com as
quais tivessem mais afinidade. No entanto essa fragmentação traria o mais forte
risco de ecletismo. Logo, ao invés da unificação e da fragmentação, cumpre
assumir a unidade contraditória do projeto.
Muito se tem falado também a respeito da
natureza histórica e social do objeto da psicologia. O sujeito individual
constitui-se num contexto histórico e culturalmente determinado, e fora desse
processo ele não teria qualquer existência. Ora, sendo o cientista um desses
sujeitos, o conhecimento científico seria então não apenas conhecimento de um
objeto que se transforma efetuado por um sujeito também em transformação, mas
fundamentalmente, um conhecimento das formas históricas das relações práticas
que a humanidade instaura com a matéria, criando e recriando assim as ordens
naturais. Essas formas são diferentes e devem ser vistas de maneiras
diferentes. Nesse contexto a psicologia seria uma ciência única em sua
diversidade, pois através das mais variadas formas visaria em todas o mesmo
objetivo.
Postado por: Psicóloga Mª Isabel
N. G. Manzano